Palavras que expressam emoções, sentimentos, virtudes e vícios geralmente carregam alto teor polissêmico. Ninguém discute, por exemplo, que uma cadeira seja uma cadeira, mas certamente vamos discutir o que significa verdade e justiça. Nesse sentido, obediência é uma palavra que abre muitas trilhas diante de nós, e tatear com calma alguns dos significados dessa palavra nos ajudará a entende-la como fonte de virtude cristã, e não como submissão inútil e pesarosa. A teologia cristã católica enumera a obediência com uma virtude fundamental para o bom relacionamento entre os homens e deles com Deus.
Obedecer é reconhecer em um outro (geralmente por alguma razão natural ou institucional) a capacidade de nos dar orientações para nossa vida. Assim, por exemplo, filhos devem naturalmente obedecer seus pais, e batizados devem conhecer e obedecer as orientações da Igreja. De modo socialmente institucionalizado, empregados devem obedecer as orientações de seus empregadores, e os cidadãos devem obedecer as leis que regem o seu país. Obedecer, torna-se assim, um gesto de humildade e de entrega que supera todo e qualquer pretensão de autossuficiência e orgulho. Como virtude, a obediência nos remete ao próprio Jesus Cristo, que “foi obediente até a morte, e morte de cruz”(Fl 2,8-9).
Em Jesus a obediência supõe reconhecimento da grandiosidade do amor de Deus, que jamais poderia impor ao seu Filho Amado qualquer coisa que não fosse, no final de tudo, certeza de realização plena e glorificação. Um conhecido dístico afirma “que é melhor errar obedecendo do que acertar na contramão dos princípios da obediência”. Entretanto, precisamos atentamo-nos para o sentido errôneo da obediência. Conserve-se sempre a serenidade da obediência, que jamais será cega e absoluta, pois seria subserviência inútil e desastrosa. Ninguém, em nome da própria virtude da obediência, deve sujeitar-se a obedecer ordens e princípios que firam os preceitos fundamentais da vida, da doutrina cristã e das leis estabelecidas.
Também nenhuma obediência deve ser dada à sugestões que interfiram no amadurecimento da liberdade pessoal, ou seja, ordens e orientações que pretendam sufocar o desenvolvimento do ser humano e suas potencialidades, vindas de pessoas que não têm atribuição reconhecida diante daquela ordem. Um pai, por exemplo, não pode interferir na vocação de seu filho, pois não depende dos pais o despertar das qualidades de sua prole. A obediência, como virtude, promove o crescimento do outro, e não sua anulação. Caso contrário, é desmando, autoritarismo e tirania. E nesse caso, e “preciso obedecer antes a Deus do que aos homens” (At 5,29).
*Texto publicado originalmente no informativo Akikolá – julho 2020*
Fonte: Pe. Evaldo César de Souza, CSSR