Cel. Fabriciano, 20 de abril de 2024

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07 maio
Imagem: Internet

Ira X Mansidão: reflexões sobre pecado e graça

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Sete Semana com Jesus/ 2021
Pecados Capitais/ Virtudes capitais
Semana 05 – Ira X Mansidão/ Paciência

Inspiração: atentar para as armadilhas espirituais que nos coloca a sociedade hedonista, do prazer acima de tudo e das conquistas e benesses corporais em detrimento do crescimento integral da existência humana.

Para começo de conversa…

Brigas no trânsito, dentro de casa, no escritório, restaurante. Gritamos com os filhos, com parceiro, parentes e colegas. Queremos matar o mundo. Fazemos tempestades em copos de água. Quando exageramos demais na expressão de nossos impulso de raiva, perdendo o senso de respeito pelo outro e até nos envolvendo em situações de agressões físicas e verbais, estamos dominados pela ira, o quinto Pecado Capital. Trata-se do desejo exagerado de brigar com alguém, mesmo sem ter motivo para isso, guardar mágoa, rancor e, às vezes, buscar vingança. Quando a ira está presente parece que sentimos a necessidade de criarmos intrigas e conflitos. Ira é infantilidade narcisista, é a atitude do adulto birrento, que se acha o centro do mundo. Achamos a birra das crianças desnecessárias, mas e as suas birras depois de adulto?

1. Etimologia

Do latim ira, expressa um sentimento incontrolável de raiva, vingança e ódio. A pessoa irascível perde completamente a capacidade de dialogar e inflama-se, geralmente, por coisas pequenas. A ira, ao contrário da inveja que se esconde, está estampada na cara, nos gestos e na fala da pessoa irada. E ao contrário da inveja, que usa de subterfúgios para destruir o outro, a ira afeta de modo imediato e quase sempre irreversível a pessoa do outro. Por isso, depois da ira cega brotam as consequências dos impulsos raivosos e os arrependimentos, que nem sempre são capazes de reatar os laços destruídos.

Considerada como paixão, a ira é uma necessidade violenta de reação provocado por um sofrimento ou contrariedade física ou moral. Nessas circunstâncias, a pessoa se sente impulsionada a descarregar sua raiva em manifestações físicas no sentido de atacar a outra pessoa. Segundo Evágrio do Ponto a ira é o desequilíbrio da emoção.

2. Citações

“Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”. Chico Buarque

“Mais penosas são as consequências da ira do que as suas causas”. Marco Aurélio

“A ira começa com a loucura e acaba com arrependimento”. Textos Judaicos

“Não é forte quem derruba os outros; forte é quem domina a sua ira”. Textos Islâmicos

“Ira seria uma virtude, se fosse dirigida ao pecado, e não ao pecador”. Padre Paulo

Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) já expressava que o pior da ira é culpar injustamente o autor. “Há uma grande parte dos homens que não se sente irada com os delitos, mas com os delituosos.”

3. Definição do pecado da Ira

A ira como sentimento é o desejo ardente de repelir ou castigar aquele que fez com que você se sentisse ameaçado. Entretanto, ela poderá também ser justa se acontecer na moderação. A ira nasce de uma pequena irritação, e se não e controlada, domina todo nosso ser. Essa irritação é no fundo o medo de perder nossa posição, como se o outro fosse uma ameaça ao meu lugar no mundo. Como um cão interior, se a alimentamos ela cresce e se torna maior que possamos imaginar.

Como pecado capital, a ira gera Cólera, Raiva, Ódio, Mal humor, Presunção. Agressividade física e moral, Impaciência, Irritação, desejo de vingança, crimes passionais.

Um dos cuidados que não se pode deixar de lado está em atentar aos pequenos sinais da cólera, manifestados em atitudes de impaciência, mau-humor, irritação desmedida através de gestos e palavras violentas, e a vingança, a qual, muitas vezes, chegando a desejar a morte do outro. A ira provoca reações físicas e psíquicas que levam a agressões reais ou verbais. Irado da muita importância às coisas pequenas – questões no trânsito, no trabalho, na família, na escola – reações exageradas mostram que há muito o que equilibrar dentro de cada um. A reação exagerada é sintoma de uma vida completamente desiquilibrada e desordenada.

Os efeitos da cólera, quando não reprimidos, são traições, assassinatos, guerras. Uma pessoa, ainda que não chegue ao extremo de sua ira, vive as consequências de seu rancor, levando à amargura e à perda da amizade das pessoas que, anteriormente, conviviam com ela.

A indignação e o mau humor são exemplos de raiva passiva. A fúria pode ser traduzida como gestos de agressividade física, como atacar um oponente injuriando-o severamente ou até lhe tirando a vida. Essa emoção é considerada a mais perigosa, pois a pessoa tomada pela ira pode ferir seus semelhantes fisicamente e/ou psicologicamente.

A cólera, outro nome para este vício capital, nos impede de fazer isso, pois desperta em nós a vontade de causar prejuízo a quem nos fez mal. Quando esse sentimento fica exagerado, a cólera passa a ser pecado, pois a pessoa fica furiosa, descontrolada, quer destruir tudo e todos. Existe o prazer em se vingar, essa é a grande diferença.

O mundo sempre provoca oposição ao nosso desejo. Somos continuamente colocados diante de nossa pequenez e fraquezas. A ira nasce do desejo de querer ter o poder sobre as coisas – o sistema que falha, a chuva que cai, o sinal que não abre, a fila que não anda… Quem se irrita ou se descontrola diante dessas pequenas coisas mostra que a pessoa pensa que é o centro do mundo, só se vê a si mesma.

Porque aconteceu comigo? Porque falou de mim? Porque na minha vez? Quem ele pensa que é? Porque esse barulho? Vaidade e o medo de perder o seu lugar, muitas vezes um lugar imaginário, gera a ira, pois irado pensa ser o centro do mundo e não pode ser nunca contrariado. O irado crê que tudo deve estar ao ser serviço. Ira gera o ódio, que é o veneno que mata o homem por dentro e pode levar ele a destruir os outros. Quem aprende a viver na tranquilidade, aprende que certas coisas eu mudo, outras estão além de meu poder. Nem tudo está sob o meu controle.

O filósofo Epicteto dizia que quem se irrita com pouca coisa devia pensar consigo – e se soubessem tudo o que realmente faço e tudo o que realmente penso? Nesse sentido, aprender a lidar com as críticas ajuda a controlar nossa ira. Uma regra serve de orientação: se a crítica for verdade, o que posso fazer? A pessoa me conhece, sabe dos meus defeitos, estou deixando claro que tenho limitações de personalidade. Aceito a crítica, pois ela é verídica. E se a crítica for mentirosa, inverídica, para que sofrer? A pessoa que me critica não sabe nada de minha vida, não sou assim e não preciso me defender. Eu tenho autocontrole a auto conhecimento do meu ser.

Paz é sua ou do mundo? Quem não é dono de sua paz estará sempre correndo o risco de ter o mundo roubando a sua paz!

A justa ira existe?

Mas existe a ira natural da vida, aquela explosão de agressividade que é ferramenta de sobrevivência e de manifestação de indignação pelas injustiças. Aqui, percebe-se que tudo depende de como lidar com essa energia que faz parte da natureza mais primitiva dos instintos humanos.

No caso da ira justa, a pessoa não castiga somente por prazer. Tudo que acontece dentro da moderação, por mais enérgica que possa parecer, trará resultados de crescimento. Tudo depende de como ela é utilizada. A agressividade faz parte do ser humano, do seu dia a dia. Ela é uma energia que nos impulsiona a fazer algo. Quando bem canalizada, é aquela dose de determinação que temos em algumas situações quando queremos atingir determinado objetivo ou nos posicionarmos diante de um fato.

Uma pessoa, por exemplo, para defender seu ponto de vista, precisa demonstrar confiança e determinação na relação com o outro e isso também tem a ver com agressividade. Assim, sendo ela sinônimo de coragem, de determinação, torna-se um aspecto positivo.

O que poucos sabem é que, numa catarse, “colocar para fora o que sentimos” faz bem para o corpo e para a mente. Quando uma agressividade é reprimida, esta energia negativa pode transformar-se em doenças, desde as mais simples até a depressão, a automutilação ou o suicídio, para citar algumas.

4. A Ira na Bíblia

Interessante notar que a ira, na Bíblia, é muitas vezes colocada como tributo de Deus. Ë uma maneira de colocar em Deus atributos humanos, normalmente para justificar situações ligadas à conquistas marciais. A ira de Deus volta-se contra os injustos e opressores, e até mesmo contra Israel, quando este não cumpre a Lei do Senhor. Veja que aqui a ira assume aquela dimensão da indignação, e não da raiva virulenta e destruidora.

Já na história de Caim e Abel a ira é força de morte contra um ser humano. A ira de Caim, nascida antes da inveja, o levou a assassinar seu irmão Abel. Vemos aqui, nas primeiras páginas da Bíblia, que as consequências da ira podem ser irreversíveis, como assassínios e crimes de sangue.

Mas na sua grande maioria, os textos bíblico tratam a ira como um sentimento a ser expurgado do coração humano. Alguns versículos que tratam do tema na Bíblia:

Provérbios 22,24-25 – “Não se associe com quem vive de mau humor, nem ande em companhia de quem facilmente se ira; do contrário você acabará imitando essa conduta e cairá em armadilha mortal”.

Provérbios 29,11 – “O tolo dá vazão à sua ira, mas o sábio domina-se”.

Salmos 37,8 – “Evite a ira e rejeite a fúria; não se irrite: isso só leva ao mal”.

Eclesiastes 7,9 – “Não permita que a ira domine depressa o seu espírito, pois a ira se aloja no íntimo dos tolos”.

Romanos 2,6-8 – “Deus retribuirá a cada um conforme o seu procedimento. Ele dará vida eterna aos que, persistindo em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade. Mas haverá ira e indignação para os que são egoístas, que rejeitam a verdade e seguem a injustiça”.

Efésios 4,26 – “Quando vocês ficarem irados, não pequem”. Apaziguem a sua ira antes que o sol se ponha”.

Colossenses 3,8 – “Mas, agora, abandonem todas estas coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem indecente no falar”.

Tiago 1,19-20 “Meus amados irmãos, tenham isto em mente: Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se, pois a ira do homem não produz a justiça de Deus”.

Jesus enfrenta algumas situações de ira em sua vida, como naquele dia em que expulsou com chicote os vendilhões do Templo. Os estudiosos são unânimes em mostrar que a ira de Jesus era contra o sistema religioso injusto e excludente, que fazia da religião lugar de privilégios. A ira, nesse caso, não recebe condenação, uma vez que se dirige ao pecado e não ao pecador. Jesus está alertando para uma situação imoral. O mesmo se dá quando ele fala com certa ira do legalismo dos fariseus e saduceus. Jesus condena as atitudes daqueles homens, e não as pessoas. Jesus nunca se irritou contra os pecadores, mas sempre contra o pecado. A ira contra o mal tem sabor de virtude. Ocorre que nossa natureza humana confunde as coisas, e nos irritamos com as pessoas, e não com as situações de pecado e de maldade. A luta contra as injustiças sociais, iluminada pelo espírito do Evangelho, nunca será ira.

5. Atualizando

Infelizmente vivemos uma nova cultura da violência, já que a ira é uma das emoções mais intensas e frequentemente sentidas no cotidiano das relações sociais. Se caracteriza por um intenso sentimento de ódio, raiva, rancor, braveza, geralmente dirigido a uma ou mais pessoas em razão de alguma ofensa, insulto, violência sofrida ou situação injuriante.

A ira surge das zonas primitivas do cérebro que controlam comportamentos sociais, principalmente a amígdala e o hipotálamo. Estas possuem funções de sobrevivência como demarcação de território, protegem a integridade dos indivíduos, enfrentam quem os ameaça. Em situações sociais aversivas como ser advertido pelo chefe, ligações inoportunas de telemarketing, fechadas no trânsito, o córtex pré-frontal tenta inibir nossos impulsos.

A ira pode castigar e revidar, deflagrando o comportamento agressivo, o temperamento da pessoa pode mediar a intensidade que a raiva atuará, variando de raiva leve, aborrecimento e aumentando até chegar à fúria.

A ira é o pecado das redes sociais. O anonimato das postagens fez com que o pior lado dos seres humanos viesse à tona, e somos sujeitos ativos e passivos de todo tipo de agressões verbais e ataques a todo momento. Como numa arena de gladiadores invisíveis, as redes sociais destroem pessoas, reputações, espalham medo e ameaças.

O sábio jamais alimenta a ira das redes. Respira fundo e segue impávido, sobretudo se as agressões verbais chegam de forma anônima. O irado quer justamente tirar a paz do outro, e quando entramos nesse jogo, alimentamos a cadeia de ódios e raivas, e isso corrói nossa paz interior.

No ambiente de trabalho a ira se expressa na tensão incômoda que impede uma equipe de se ajustar e produzir melhor. Brigas, discussões, gritarias, municiadas pelos egos e pelo sentimento de superioridade, ameaçam o ambiente de trabalho harmonioso e produtivo. Até mesmo respostas de e-mails e outras formalidades, lidas já com preconceitos e rótulos, se tornam razão para raivas e discussões infrutíferas. Apesar de ser quase impossível, é preciso aprender a separar emoções pessoais e demandas profissionais.

Para driblar este Pecado Capital tão comum, é preciso exercitar a paciência, prestar atenção aos pequenos sinais de descontrole, como a intolerância, o mau humor e a impaciência. Se você fica com raiva com muita facilidade, talvez seja hora de procurar exercícios de meditação, relaxamento e controle pessoal, pois no final, quem mais se prejudica é você, que carrega um peso enorme nas costas que não lhe pertence mais.

6. Remédio contra a ira: mansidão e paciência

Definida a ira como excesso de cólera, numa situação de constante medo de ser ameaçado por outrem, e entendido que naturalmente o ser humano usa da força da agressividade também para se defender e defender a justiça, temos que buscar o equilíbrio no cultivo da mansidão e da paciência, virtudes que precisam ser diariamente alimentadas, por serem frágeis demais.

O cristão, pelo exercício do autocontrole, primeiro precisa sair de uma zona de defesa, daquele espaço de autossuficiência egoísta, para entender que não temos o controle sobre as coisas, e não devo me irritar quando a situação me foge ao controle. O sábio não se deixa abater pelo fato de não ter poder sobre tudo. Esse reconhecimento de humildade aplaca desde o início a chama da irritação, que pode gerar a fogueira da ira.

A grande inspiração para a mansidão e a paciência é o próprio Jesus, que dele mesmo afirmou: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). No sermão da montanha, Jesus instrui de modo incisivo e claro – “Bem aventurados os mansos, porque possuirão a terra”, “Bem aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5).

Em outra ocasião, Jesus orienta os discípulos quando forem vítimas de violência – “Quando baterem na face direita, virem e ofereçam a esquerda”, com isso mostrando que o discípulo deve mostrar resistência ao mal da ira, esquivando de fomentar a engrenagem da violência. É como se ele dissesse aos discípulos que mostrem aos agressores que existe outra via, a do amor. Se me bate, eu não te bato, mostro outro caminho, desmascaro a sua violência inútil e te deixo desarmado.

Em uma cena dramática, na hora de sua prisão, Jesus repreende um de seus discípulos por cortar a orelha do servo do centurião (Mt 26,51; Mc 14,46). E mesmo em todo processo de condenação, Jesus sequer abriu a boca para gritar contra seus algozes, ao contrário, perdoou os que o tratavam daquela maneira (Lc 23,34). Jesus mantém a serenidade e a paciência mesmo quando é agredido. Ele é dono de sua paz, não depende da paz que o mundo pode oferecer!

No fundo, o autoconhecimento pode auxiliar o indivíduo a tomar consciência das suas emoções. Assim este pode regular e refrear as reações, reavaliando a situação e ter um planejamento para ações posteriores à causa que a eliciou, pois sem essa consciência, fatalmente este terá atitudes que irão trazer arrependimentos posteriormente. Outra possibilidade de abordagem está na interpretação da ação que ocasionou a ira. Pode-se sentir raiva da ação, mas não da pessoa – o tal alerta de Sêneca. Assim pode-se ajudar essa pessoa, sem feri-la de volta.

Fonte: Pe. Evaldo César de Souza, C.Ss.R

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